(Publicado em minha coluna "Sobrehumanos", na revista Ciência Hoje, agosto de 2013)
Para que servem, afinal, as grande bibliotecas públicas? Acostumamo-nos tanto a vê-las e a reverenciá-las em sua monumentalidade, que a pergunta soa um tanto estranha. Para a maiorias das pessoas, bibliotecas públicas são, antes de tudo, figuras da arquitetura das cidades. Monumentos fixados na paisagem urbana, dotados de uma presença que se impõe pelo volume físico que ocupam e pela saliência de suas formas.
Uma primeira aproximação menos inercial à pergunta pode sugerir que bibliotecas públicas, sobretudo aquelas constituídas por acervos preciosos e, digamos, “históricos” são sobretudo lugares de guarda e de proteção. Tal resposta está longe do erro, já que nessas instituições camadas preciosas e ancestrais da cultura bibliográfica de diferentes sociedades encontra abrigo e cuidados apropriados de preservação. Há, pois, uma vocação depositária, inerente à instituição e cuja supressão, de modo necessário, implicaria e reconfiguração radical de sua identidade.
O caráter histórico dos acervos, contudo, não está presente apenas naquilo que as bibliotecas possuem de ancestral e intrinsecamente valioso. Todo o acervo, independente de datação e raridade, além de merecer cuidados de guarda apropriados, é dotado de caráter histórico. Tal historicidade, contudo, não é propriedade intrínseca do acervo. É certo que nos acostumamos a considerar, por exemplo, a antiga biblioteca do Convento de Santa Cruz de Coimbra, em Portugal, parte do acervo da belíssima Biblioteca Pública Municipal do Porto, como “histórica”, mas o cerificado de historicidade é algo da ordem do que se atribui. A marca resulta de uma atribuição, tornada possível pela ação dos leitores e, sobretudo, dos pesquisadores que dão sentidos sempre renovados a acervos que, sem releituras sucessivas permaneceriam como peças arqueológicas soterradas.
Duas questões aparecem aqui implicadas: a do papel da comunidade científica – e dos leitores em geral - na “exploração” das bibliotecas e o caráter absolutamente central das políticas de acesso aos acervos.
Quanto ao papel dos pesquisadores, a premissa a ser sempre considerada é a de que a qualidade de um acervo é fortemente afetada pela quantidade e qualidade de perguntas que a ele são dirigidas. A investigação continuada permite que novos sentidos sejam atribuídos a materiais já conhecidos e, ao mesmo tempo, que novos materiais sejam submetidos à inquirição. É de se imaginar, por exemplo, o quanto historiadores da vida privada, já no presente, em não em futuro mais ou menos remoto, terão que lidar com a maçaroca incontável de e-mails. É um desafio para as bibliotecas saber como lidar com o caráter expansivo da própria noção de acervo.
Tanto novos como “velhos” materiais, no entanto, comungam da mesma característica: sua relevância é instituída pela atividade de consulta e de investigação. Isso faz das bibliotecas públicas um elo inestimável da cadeia de produção de conhecimento. Para tal, elas estão obrigadas a produzir conhecimento sobre si mesmas, o que as impele a associações cada vez mais intensas com a comunidade mais ampla de intérpretes de suas coleções.
O acesso aos acervos é igualmente crucial, para determinar o “fator de impacto” de uma biblioteca. Além de regras de consulta presencial, o que afeta de modo decisivo tal fator é a capacidade das bibliotecas saírem de seus muros. Os desafios da digitalização e disponibilização universal dos acervos estão postos e são irrecusáveis. Experimentos tais como a Biblioteca Pública Digital norte americana e o projeto da Biblioteca Nacional brasileira de implantar uma Biblioteca Digital Lusófona (em associação com bibliotecas públicas de países de língua portuguesa) vão nesse sentido. Em uma imagem um tanto inspirada por Jorge Luis Borges, ele também responsável por uma grande biblioteca pública, as grande bibliotecas devem ser ubíquas, devem estar por toda a parte e ao mesmo tempo.
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