Renato
Lessa
(Publicado em minha coluna "Sobrehumanos", na revista Ciência Hoje, em novembro de 2013)
Começo a coluna
com uma nota explicativa:
No dia 7 de
outubro passado, participei, como presidente da Biblioteca Nacional, da
abertura da exposição “O exílio de língua alemã no Brasil, 1933-1945”. O evento
teve lugar na Biblioteca Nacional Alemã, em Frankfurt, e foi concebido pelo
Arquivo Alemão do Exílio – 1933-1945, daquela instituição. A curadoria coube às
doutoras Sylvia Asmus e Marlene Eckl, pesquisadoras responsáveis pelo Arquivo.
Minha participação exigiu a apresentação de uma pequena conferência, não registrada
pela imprensa brasileira, razão pela qual retomo aqui os argumentos centrais
que apresentei na ocasião.
Fim de nota.
As
representações usuais a respeito da constituição da população brasileira sempre
enfatizaram, entre nós, a importância dos fluxos migratórios. Desde os
primeiros anos escolares, aprendemos a nos orgulhar do caráter compósito da
população brasileira, que resulta, além dos fluxos migratórios europeus e da
presença da população aborígene, da migração forçada de milhões de seres
humanos, originários de diferentes regiões da África, para o território
colonial que, no século XIX, viria a se tornar independente.
Com efeito, o
termo “migração” soa um tanto cínico, quando pensamos na maior movimentação
forçada de cerca de cinco milhões de seres humanos, ocorrida na Idade Moderna,
que fez com que a história do Brasil como nação – antes e depois da
Independência, em 1822, e mesmo até hoje - não possa ser contada e compreendida
sem os fluxos populacionais africanos que recebeu.
Migrações são
um tema nobre da demografia. Para diversas sociedades, suas estruturas
populacionais são incompreensíveis se não se levam em conta impactos de fluxos
tanto imigratórios como emigratórios. Por mais dramáticos que sejam, tais
fenômenos são antes de tudo assunto de demografia.
Distinta é a
condição do exílio. As migrações estão para a demografia, assim como os exílios
estão para a reflexão político-cultural.
Nossa ênfase no
tema das migrações ofusca o tema do exílio. Por mais dolorosa que seja, a ideia
de migração carrega consigo um componente positivo e otimista: por definição,
migra-se para melhor, para buscar uma forma de vida julgada mais promissora. Já
o exílio, orienta-se pelo afastamento do pior, pelo caráter compulsório da
desconexão com o lugar de origem e pelo imperativo de preservação da própria
vida. O exílio é necessariamente amargo e doloroso; não traz em si atos de
esperança, mas resulta de um desespero constitutivo.
Tornamo-nos um
pouco mais acostumados à ideia de exílio, como parte de nossa experiência
nacional, com o exílio de vários brasileiros, durante a ditatura imposta ao
país, de 1964 a 1985. Cabe ressaltar que, pela segunda vez na história do país
– e pela primeira em regime republicano –, um Chefe de Estado morreu em
situação exílio. Refiro-me a João Goulart, deposto em 1964 e morto, em situação
não esclarecida, doze anos depois.
Mais do que
“emigrantes”, os falantes da língua alemã que deixam seus países durante o
nazismo são exilados. O termo
“emigrante” faz sentido para o léxico da demografia; a palavra exilado é
eminentemente geo-política: ela, a um só tempo, indica deslocamento espacial e
expulsão. A condição exilada é consequência de um desvínculo que é anterior ao
ato, em si mesmo, de emigrar. A dissolução do nexo com a comunidade de origem precede,
dessa forma, o ato final da separação.
Entre 16.000 e
19.000 exilados, de língua alemã, se dirigiram ao Brasil, entre 1933 e 1945.
Trata-se, simplesmente, do maior fluxo de exilados recebido pelo país, em toda
sua história. Em todos os domínios da vida intelectual, artística e cultural
têm sido mais do que expressivos os efeitos da recepção da parte da cultura
europeia, trazida pelo refugiados de língua alemã do nazismo e da Shoah.
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