Brasil:
matéria de crítica, interpretação e fabricação de mundos
(Sumário de conferência a ser proferida na Academia Brasileira de Letras, no dia 25/8/2015, às 17:30, com entrada franca)
Uma das vertentes mais instigantes da
filosofia do século passado foi desenvolvida por Nelson Goodman, inspirado em
intuições e argumentos de gênios tais como Ernst Cassirer e Ludwig
Wittgenstein. A mais célebre tese de
Goodman sustenta que somos – os humanos
– fabricantes de mundos, através da invenção e manipulação de símbolos. A forma
de vida dos humanos radica, de modo inapelável, em sua incessante faina de
elaboração simbólica. Não se trata, apenas, de inventar mundos imaginários. A
própria vida prática, com suas implicações materiais, decorre de atos de
fabricação de mundos.
A intuição de Goodman vale tanto para
as biografias individuais, quando para experiências coletivas. Quero crer que possa
ser, mesmo, aplicada a histórias nacionais.
Na conferência, pretendo revisitar
alguns dos mais imaginativos esforços de interpretação do Brasil, indicando os
efeitos de “invenção de mundos” presentes em cada um dos atos interpretativos.
O objeto interpretado não resiste a sua interpretação. É, antes, um efeito da própria
ação cognitiva que procura explicá-lo. Essa intangibilidade dos objetos, em sua
solidão objetiva e exterior, é, de modo inevitável, assaltada pelas artes da
elaboração simbólica. Delas resultam formas de ação no mundo, por meio das
quais a imaginação se faz decantar, tanto na configuração das coisas como na do
olho e do espírito que as percebem. A um só tempo, no sentido e no sentimento do
mundo, em chave drummondiana.
A intenção é a de considerar obras tão
díspares quanto ímpares, criadas por autores tais como Sylvio Romero (Brasil Social), Gilberto Freyre (Interpretação do Brasil), Sergio Buarque
de Hollanda (Raízes do Brasil), Mario
de Andrade (O movimento modernista),
Oliveira Vianna (Instituições Políticas
Brasileiras), Raymundo Faoro (Os
Donos do Poder), Álvaro Vieira Pinto (Ideologia
do Desenvolvimento) e Darcy Ribeiro (O
Povo Brasileiro).
O que fazer com conjunto tão
heteróclito?
Menos do que descrever com minúcias as
visões ali apresentadas, importa detectar a perspectiva
épica presente nos esforços de interpretação da experiência do Brasil como
país. A série, sem dúvida, poderia ser estendida; há lacunas imperdoáveis, mas
não parece haver presenças injustificadas. A ideia de “perspectiva épica”
decorre de uma fina expressão, do filósofo politico norte-americano Sheldon
Wolin, crítico da infestação positivista e cientificista que assolou os estudos
políticos acadêmicos, a partir dos anos 1950. Wolin chamava a atenção para a
importância de uma teoria política épica,
como reserva de sentido para a investigação dos objetos políticos postos no
mundo.
A suposição, a ser desenvolvida na
conferência, é a de que a história intelectual brasileira – em particular em
seu nicho dedicado à crítica social – encerra em si mesma episódios de natureza
épica, a partir dos quais imagens de país e paradigmas de ação política e
social são introduzidas na vida ordinária. Os grandes paradigmas de
interpretação são aqueles que dão forma à experiência da vida.
Este último ponto é importante: não se
trata de esforços de imaginação que nos
indiquem o caminho para as nuvens, para fora do mundo. Ao contrário, eles
trazem-nos para o mundo: são modos de
suplementação da experiência. Como tal, são instituidores de sentidos
dotados de implicações de natureza prática. Parte não desprezível da resposta à
pergunta clássica de Jean-Jacques Rousseau – o que faz de um povo um povo? –
está contida nos atos simbólicos de invenção de experiências compartilhadas. A
outra parte tem a ver com o acaso, mas este, por definição, está fora da
linguagem e desaba sobre nós com a força invencível daquilo que não se faz antecipar
pela imaginação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário