quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Brasil: matéria de crítica, interpretação e fabricação de mundos
(Sumário de conferência a ser proferida na Academia Brasileira de Letras, no dia 25/8/2015, às 17:30, com entrada franca) 
Uma das vertentes mais instigantes da filosofia do século passado foi desenvolvida por Nelson Goodman, inspirado em intuições e argumentos de gênios tais como Ernst Cassirer e Ludwig Wittgenstein. A mais célebre tese de
Goodman sustenta que somos – os humanos – fabricantes de mundos, através da invenção e manipulação de símbolos. A forma de vida dos humanos radica, de modo inapelável, em sua incessante faina de elaboração simbólica. Não se trata, apenas, de inventar mundos imaginários. A própria vida prática, com suas implicações materiais, decorre de atos de fabricação de mundos.
A intuição de Goodman vale tanto para as biografias individuais, quando para experiências coletivas. Quero crer que possa ser, mesmo, aplicada a histórias nacionais.
Na conferência, pretendo revisitar alguns dos mais imaginativos esforços de interpretação do Brasil, indicando os efeitos de “invenção de mundos” presentes em cada um dos atos interpretativos. O objeto interpretado não resiste a sua interpretação. É, antes, um efeito da própria ação cognitiva que procura explicá-lo. Essa intangibilidade dos objetos, em sua solidão objetiva e exterior, é, de modo inevitável, assaltada pelas artes da elaboração simbólica. Delas resultam formas de ação no mundo, por meio das quais a imaginação se faz decantar, tanto na configuração das coisas como na do olho e do espírito que as percebem. A um só tempo, no sentido e no sentimento do mundo, em chave drummondiana.
A intenção é a de considerar obras tão díspares quanto ímpares, criadas por autores tais como Sylvio Romero (Brasil Social), Gilberto Freyre (Interpretação do Brasil), Sergio Buarque de Hollanda (Raízes do Brasil), Mario de Andrade (O movimento modernista), Oliveira Vianna (Instituições Políticas Brasileiras), Raymundo Faoro (Os Donos do Poder), Álvaro Vieira Pinto (Ideologia do Desenvolvimento) e Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro).
O que fazer com conjunto tão heteróclito?
Menos do que descrever com minúcias as visões ali apresentadas, importa detectar a perspectiva épica presente nos esforços de interpretação da experiência do Brasil como país. A série, sem dúvida, poderia ser estendida; há lacunas imperdoáveis, mas não parece haver presenças injustificadas. A ideia de “perspectiva épica” decorre de uma fina expressão, do filósofo politico norte-americano Sheldon Wolin, crítico da infestação positivista e cientificista que assolou os estudos políticos acadêmicos, a partir dos anos 1950. Wolin chamava a atenção para a importância de uma teoria política épica, como reserva de sentido para a investigação dos objetos políticos postos no mundo.
A suposição, a ser desenvolvida na conferência, é a de que a história intelectual brasileira – em particular em seu nicho dedicado à crítica social – encerra em si mesma episódios de natureza épica, a partir dos quais imagens de país e paradigmas de ação política e social são introduzidas na vida ordinária. Os grandes paradigmas de interpretação são aqueles que dão forma à experiência da vida.
Este último ponto é importante: não se trata de  esforços de imaginação que nos indiquem o caminho para as nuvens, para fora do mundo. Ao contrário, eles trazem-nos para o mundo: são modos de suplementação da experiência. Como tal, são instituidores de sentidos dotados de implicações de natureza prática. Parte não desprezível da resposta à pergunta clássica de Jean-Jacques Rousseau – o que faz de um povo um povo? – está contida nos atos simbólicos de invenção de experiências compartilhadas. A outra parte tem a ver com o acaso, mas este, por definição, está fora da linguagem e desaba sobre nós com a força invencível daquilo que não se faz antecipar pela imaginação.







Nenhum comentário:

Postar um comentário