segunda-feira, 24 de agosto de 2009

50 anos do neoconcretismo

Renato Lessa

(Publiquei este pequeno artigo em minha coluna Sobre Humanos, na revista Ciência Hoje, de junho de 2009. Escrevi-o motivado pela visita à excelente exposição sobre o Neoconcretismo, no Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro. A curadoria da exposição coube a Reynaldo Röels, um dos mais finos e eruditos críticos de arte do país. Quando visitei a exposição e quando escrevi o artigo não poderia imaginar que Reynaldo viria a falecer, pouco mais de um mês depois. Que esta postagem seja uma homenagem a seu talento rigorosamente incomum)

Uma excelente mostra no Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, com curadoria de Reynaldo Roels, marcou os cinqüenta anos da 1a Exposição Neoconcreta, inaugurada naquele mesmo espaço, em março de 1959 (o ótimo texto elaborado pelo curador, de introdução à mostra, pode ser encontrado em http://www.mamrio.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=179&Itemid=36). Embora encerrada em 7/6/09, é importante marcar a importância do movimento neoconcreto no contexto da arte contemporânea brasileira. Mais do que parte do material apresentado em 1959, a exposição de 2009 considerou a trajetória do grupo de artistas neoconcretos do Rio de Janeiro até a sua dissolução em 1962. Foram apenas três anos, mas dos mais fecundos e inovadores na história da arte no Brasil.

Além de exibir o Manifesto Neoconcreto, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil - então uma das principais referências culturais e de vanguarda no país -, a exposição de 2009 reuniu obras de alguns dos mais notáveis artistas plásticos brasileiros, ligados ao movimento: exemplares da série Bicho de Lygia Clark, alguns dos Metaesquemas de Hélio Oiticica, além de obras de Amilcar de Castro, Lygia Pape, Wyllis de Castro, Aluísio Carvão, Franz Weissmann, Hércules Barsotti e Décio Vieira e poemas de Ferreira Gullar, Reynaldo Jardim e Roberto Pontual.

O Manifesto, um dos principais documentos programáticos da arte brasileira, foi escrito e publicado no início de 1959. Elaborado pelo poeta Ferreira Gullar, o texto contou com as assinaturas de Amílcar de Castro, Claudio Mello e Souza, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis, artistas no núcleo inicial do movimento. Outros se juntaram ao grupo, com destaque para Helio Oiticica, Décio Vieira, Wyllis de Castro e Hércules Barsotti.

Ambos os movimentos – Concreto e Neoconcreto – foram fundamentais para a afirmação de uma arte abstrata no Brasil, que questionou os padrões acadêmicos e modernistas que dominantes no país até os anos 50. O ponto de partida para a abstração foi dado na 1a Bienal de São Paulo, cujo cartaz foi elaborado por um artista plástico concretista – Antonio Maluf (1926-2005) – e apresentava uma sucessão de retângulos – como uma série de molduras inscritas umas nas outras – a convergir para um centro vazio. Nada que sugerisse figuração. Antes o contrário, apenas a abstração de formas geométricas. A Bienal de 1951 premiou, ainda, o artista suíço Max Bill que defendia e praticava uma arte racionalista, vinculada à atmosfera de uma sociedade industrial e em reconstrução no segundo pós-guerra.

O componente racionalista pode ser detectado na defesa de uma arte que buscava comunicação imediata com o espectador, sem a mediação de conteúdos figurativos e literários. A atmosfera cartesiana se fazia evidente pela preferência por uma linguagem que exibia formas claras e distintas: figuras geométricas, isoladas ou em série. Uma arte que falava à razão e à percepção geométrica, deslocando o eixo da fruição estética dos campos da expressão e da interpretação para o do reconhecimento puramente formal.

A ruptura dos neo-concretos cariocas baseou-se em uma crítica no que definiam como o caráter dogmático e rígido da arte concreta. Nos termos precisos do texto de apresentação da exposição de 2009, de autoria do curador Reynaldo Roels: “No manifesto, são criticadas as teses mecanicistas e reducionistas do concretismo ortodoxo, e é defendida ali uma posição em tudo próxima ao humanismo tradicional: a irredutibilidade da experiência estética à mera fisiologia do olhar (psicologia da Gestalt), a atividade do artista como uma prática intuitiva, a rejeição de todo e qualquer receituário normativo para a criação da obra, e a inclusão do espectador como agente ativo na constituição da experiência artística”.

No contexto do Neoconcretismo foi notável a correspondência entre o que propunham seus textos programáticos e o que as obras efetivamente realizavam. Por certo, muitas delas anteciparam a formulação teórica, mas ainda assim é notável a consistência filosófica, estética e artística do experimento neoconcreto. A recusa da rigidez concretista não eliminou a geometrização, mas a pôs sob o domínio da expressão e da imaginação. Este é mesmo um bom termo, invenção: para uma arte emancipada do racionalismo e para um país que, na altura, procurava reinventar-se.

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